Atividade profissional e investimentos: concentrar ou diversificar?
- cacosantoscfp
- 1 de jul. de 2016
- 4 min de leitura

Meu avô era um homem de negócios. Ganhava seu dinheiro comprando e vendendo imóveis. Construiu um patrimônio lidando muitas vezes com fazendas em lugares ermos, que muitos anos depois se valorizariam de forma importante. Isso fazia com que precisasse muitas vezes empatar boa parte de seu capital num determinado pedaço de terra, e ficar apertado até que conseguisse vender um outro. Talvez por isso que eu sempre ouvi da minha avó “não coloque todos os ovos na mesma cesta”, uma frase famosa quando pensamos em diversificação. Acho que todo texto sobre diversificação contém essa frase!
Existe farta literatura sobre esse importante conceito, que é um dos mais importantes no mundo de gestão de riscos. Harry Markowitz desenvolveu na matemática a fronteira eficiente, onde consegue-se determinar o ponto ótimo de combinação de ativos considerando seus retornos esperados, riscos e correlação entre eles.
Profissionais de finanças estão acostumados com isso. Gestores de investimentos têm que conhecer o assunto de trás para frente, de olhos fechados. Usam todas as teorias, matemática e conhecimento dos mercados para administrar fundos ou auxiliar seus clientes na montagem de portfolios equilibrados para os cenários econômicos que vislumbram.
Administradores fazem o mesmo com seus negócios. Grandes grupos empresariais investem em setores diferentes com este objetivo. Um deles tem negócios em cimento, metais, energia, papel e celulose, banco e suco de laranja. Outro tem açúcar, álcool, ferrovias, fazendas, logística. A diversificação também é geográfica, afinal o Brasil pode não estar bem enquanto outros mercados estão “bombando”. Então produz-se cerveja por aqui, nos Estados Unidos e na Europa.
Quando trazemos a questão para o indivíduo, um planejador financeiro deve analisar também a atuação profissional do seu cliente perante todo o entorno de suas finanças. O risco de sua principal fonte de renda – seu emprego ou seu negócio - deve necessariamente ser levado em consideração quando pensar em seus investimentos, previdência, seguros. Destaco abaixo dois aspectos para levar em conta, que muitas vezes vejo negligenciados pelos clientes - e também por planejadores.
O primeiro é o ramo de atividade. O dono de uma construtora deve ter fundos imobiliários em sua carteira? Um executivo de uma rede varejista deve investir em ações daquele setor? Se o fizerem, estarão de certa forma alavancando sua atuação, colocando mais ovos na mesma cesta.
Entre exemplos menos óbvios, descobri que um obstetra tem feito menos partos durante a crise, pois muita gente fica insegura e resolve postergar planos de ter filhos. Qual será a correlação da economia com a atividade de meu cliente? Como devem ser então seus investimentos? Talvez haja algum tipo de “hedge” para ser pensado.
Outro fator é remuneração. Muitos executivos recebem ações da empresa onde trabalham como forma de alinhamento de interesses de longo prazo (pessoalmente, acho perfeitamente razoável). Normalmente estes programas de incentivos são atrelados a um prazo mínimo para o colaborador ter direito de vender as ações (“vesting period”). Na minha experiência, vejo que a maioria continua com estes investimentos passado esse período, muitas vezes compondo uma parcela relevante de seu patrimônio. Os motivos alegados são diversos: preguiça de mexer, comodidade, apego emocional pelo empregador, ou por racionalmente acreditarem no potencial da companhia onde trabalham (o que é ótimo, aliás!). Nosso papel, contudo, é mostrar que estão concentrando risco desta forma: mantendo recursos investidos na mesma empresa de onde tira seu salário. Como toda concentração de riscos, se a empresa for bem, ótimo! E se não for? Pode perder ao mesmo tempo emprego, bonus, previdência e o dinheiro das ações…
Tenho um amigo americano que trabalhava num grande banco americano. Como é prática no setor, recebeu muitas ações e opções de ações ao longo dos anos. Seu banco começou a ir mal, mas ele estava lá e via tudo indo bem. Resolveu comprar, com suas reservas, mais ações, porque “o preço no mercado está irreal, eu sei o que acontece aqui dentro”. Infelizmente não sabia. Todos os seus recursos estavam investidos em ações da Lehman Brothers. Em outubro de 2008 ele pediu dinheiro emprestado ao pai para fazer supermercado.
“Ora, mas todo mundo viu que a Lehman ia quebrar!” Não, não viu. É fácil falar depois do fato, e mais fácil ainda quando estamos fora da empresa, sem envolvimento.
Não podemos nos esquecer de que nenhuma empresa está imune a ter problemas. A Petrobras perdeu enormemente valor nos últimos anos. Seus problemas arrastaram não só empresas de óleo&gás, mas também outros derivados destes – quantos especialistas do setor no mundo bancário ficaram sem trabalho pela falta de perspectivas nos mercados de capitais por conta disso? Várias construtoras viram negócios minguarem de forma substancial, e nem precisaram estar envolvidas em corrupção para isso. Financiamentos sumiram, contratos foram cancelados, várias empresas desapareceram.
Para ir além de nossas fronteiras, em setembro de 2015 a Volkswagen esteve nas manchetes com um escândalo de falsificação de resultados de emissões de poluentes. No mês seguinte divulgou seu primeiro prejuízo em 15 anos, resultado de reserva de 6,7 bilhões de euros para cobrir custos com a fraude. Esse número já dobrou desde então, e não encerrou ainda o assunto. Suas ações chegaram a cair 45% depois das notícias, e ainda hoje estão 25% abaixo dos níveis pré-escândalo. Outros casos aparecem de tempos em tempos. Repito: nenhuma companhia está imune a ter surpresas negativas.
Claro, existem as histórias positivas. Quem começou no Facebook sem salário, só recebendo ações, virou multimilionário. Conheço gente que se aposentou de empresas sólidas e recebe uma remuneração, advinda do plano de pensão, extremamente interessante.
Nosso papel é levantar estes pontos e levar em consideração estes fatores, trazendo aos nossos clientes um entendimento holístico dos riscos a que estão expostos. Indo muito além daqueles que eles estão acostumados a ver nos extratos de seus bancos e corretoras, lhes daremos a oportunidade de tomarem decisões mais embasadas, sejam em investimentos, seguros ou até em suas carreiras. Afinal, devemos ajudá-los a serem conscientes sobre quantos ovos querem efetivamente colocar em cada cesta!
Matéria publicada na CFP Professional Magazine em 01/07/2016







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